Apesar da vitória eleitoral do caudilho venezuelano, oposição ativa e crise do petróleo vão dificultar perpetuação no poder
O ROLO compressor do bonapartismo chavista destruiu mais um pilar do sistema de pesos e contrapesos que caracteriza a democracia. Na Venezuela, os governantes, a começar do presidente da República, estão autorizados a concorrer a quantas reeleições seguidas desejarem.
Hugo Chávez venceu o referendo de domingo, a segunda tentativa de dinamitar os limites a sua permanência no poder. Como na consulta do final de 2007, a votação de anteontem revelou um país dividido. Desta vez, contudo, a discreta maioria (54,9%) favoreceu o projeto presidencial de aproximar-se do recorde de mando do ditador Fidel Castro.
Outra diferença em relação ao referendo de 2007 é que Chávez, agora vitorioso, não está disposto a reapresentar a consulta popular. Agiria desse modo apenas em caso de nova derrota. Tamanha margem de arbítrio para manipular as regras do jogo é típica de regimes autoritários compelidos a satisfazer o público doméstico, e o externo, com certo nível de competição eleitoral.
Mas, se as chamadas "ditabrandas" -caso do Brasil entre 1964 e 1985- partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça-, o novo autoritarismo latino-americano, inaugurado por Alberto Fujimori no Peru, faz o caminho inverso. O líder eleito mina as instituições e os controles democráticos por dentro, paulatinamente.
Em dez anos de poder, Hugo Chávez submeteu, pouco a pouco, o Legislativo e o Judiciário aos desígnios da Presidência. Fechou o círculo de mando ao impor-se à PDVSA, a gigante estatal do petróleo.
A inabilidade inicial da oposição, que em 2002 patrocinou um golpe de Estado fracassado contra Chávez e depois boicotou eleições, abriu caminho para a marcha autoritária; as receitas extraordinárias do petróleo a impulsionaram. Como num populismo de manual, o dinheiro fluiu copiosamente para as ações sociais do presidente, garantindo-lhe a base de sustentação.
Nada de novo, porém, foi produzido na economia da Venezuela, tampouco na sua teia de instituições políticas; Chávez apenas a fragilizou ao concentrar poder. A política e a economia naquele país continuam simplórias -e expostas às oscilações cíclicas do preço do petróleo.
O parasitismo exercido por Chávez nas finanças do petróleo e do Estado foi tão profundo que a inflação disparou na Venezuela antes mesmo da vertiginosa inversão no preço do combustível. Com a reviravolta na cotação, restam ao governo populista poucos recursos para evitar uma queda sensível e rápida no nível de consumo dos venezuelanos.
Nesse contexto, e diante de uma oposição revigorada e ativa, é provável que o conforto de Hugo Chávez diminua bastante daqui para a frente, a despeito da vitória de domingo.
Folha de S. Paulo - 17 de fevereiro de 2009
quinta-feira, fevereiro 26, 2009
quarta-feira, fevereiro 18, 2009
Pedofilia condecorada por Lula
Lula outorgou ao Prof.Dr.Luiz Mott a mais elevada condecoração do Ministério da Cultura, a Medalha de Comendador da Ordem do Mérito Cultural.
CRÔNICAS
6. Meu moleque ideal
Gosto não se discute, diz a sabedoria popular, e se assim não fosse, seríamos iguais a carneiros, todo mundo igual, sem nenhuma originalidade, gostando todos da mesma coisa. E a realidade comprova o contrário, que em matéria de gosto ou preferência sexual, nossa imaginação e desejos não têm limites. Basta entrar numa destas lojas de produtos eróticos ou folhear as páginas desta nossa querida revista, e veremos que tem gosto para tudo: os que curtem gente gorda, aqueles que preferem peludos, outras que querem sem pelo, muitos que adoram suruba, outros que sentem o maior tesão em se exibir, etc, etc. Em sexo, tudo é lindo e maravilhoso, e desde que as pessoas estejam de acordo e maiores de 18 anos segundo a lei em vigor, ninguém tem nada a ver com as preferências alheias. Cada qual no seu cada qual e fim de papo. Ou melhor, começo de papo!
Considero-me um gay felizardo pois amo e sou amado por um homem maravilhoso que preenche plenamente minhas fantasias e desejos sexuais, afetivos e de companheirismo. Nos gostamos tanto um do outro que várias vezes manifestamos o desejo de morrer juntos, pois só de imaginar a tristeza e solidão do desaparecimento da outra metade, isto nos provoca enorme tristeza e medo. Ainda existem casais gays românticos em plena época do divórcio, do amor livre e do sexo descartável. Caretice para alguns, felicidade para outros. Afinal, também em questão de afeto, gosto não se discute.
Analisando friamente as razões que levariam dois homens (ou duas mulheres, ou um homem e uma mulher) a viver com exclusividade uma paixão afetiva e erótica, creio que esta fidelidade poderia ser explicada quando menos por uma motivação bastante prática e mesmo oportunista: a dificuldade de encontrar um substituto melhor. Essa regra, constrangedora de ser constatada e verbalizada, parece ser universal: no dia em que a gente encontrar alguém que ofereça mais tesão, amizade e companheirismo do que a transa atual, ninguém é besta de continuar na mesmice em vez de optar pelo que promete ser muito melhor. Os que continuam fiéis a uma velha paixão só não mudam porque ainda não encontraram alguém que valha mais a pena. Ou porque não investem em novas procuras, ou porque não existe outro alguém que represente tão perfeitamente o que idealizamos como sendo nossa alma gêmea ou cara metade.
No fundo, todos nós, gays (e não gays) alimentamos em nossa imaginação um tipo ideal do homem que gostaríamos de amar e ter do lado. E que nem sempre é igual à nossa paixão atual. O ideal pode ser alto e branco, o real, baixo e preto. No meu caso, para dizer a verdade, se pudesse escolher livremente, o que eu queria mesmo não era um "homem" e sim um meninão. Um "efebo" do tipo daqueles que os nobres da Grécia antiga diziam que era a coisa mais fofa e gostosa para se amar e foder.
Se nossas leis permitissem, e se os santos e santas me ajudassem, adoraria encontrar um moleque maior de idade mas aparentando 15-16 anos, já com os pentelhos do saco aparecendo, a pica taludinha, não me importava a cor: adoraria se fosse negro como aquele moleque da boca carnuda da novela Terra Nostra; amaria se fosse moreninho miniatura do Xandi; gostaria também se fosse loirinho do tipo Leonardo di Caprio. Queria mesmo um moleque no frescor da juventude, malhadinho, com a voz esganiçada de adolescente em formação. De preferência inexperiente de sexo, melhor ainda se fosse completamente virgem e que descobrisse nos meus braços o gosto inebriante do erostimo. Sonho é sonho, e qual é o problema de querer demais?!
Queria que esse meu príncipezinho encantado fosse apaixonado pela vida, interessado em aprender comigo tudo o que de melhor eu mesmo aprendi nestes 50 e poucos anos de caminhada. Que gostasse de me ouvir, que se encantasse com tudo que sei fazer (desde pudim de leite e construir uma estante de madeira, a cuidar do jardim e navegar na internet), querendo tudo aprender para me superar em todas minhas limitações. Que acordasse de manhã com um sorriso lindo, me chamando de painho, que me fizesse massagem quando a dor na perna atacar. Honesto, carinhoso, alegre e amigo. Que me respondesse sempre ao primeiro chamado, contente de ser minha cara metade.
Quero um moleque fogoso, que fique logo com a pica dura e latejando ao menor toque de minha mão. Que se contorça todo de prazer, de olho fechado, quando lambo seu caralho, devagarinho, da cabeça até o talo. Que fique com o cuzinho piscando, fisgando, se abrindo e fechando, quando massageio delicadamente seu furico. Cuzinho bem limpo, piscando na ponta do dedo molhado com um pouquinho de cuspe é das sensações mais sacanas que um homem pode sentir: o moleque querendo meu cacete, se abrindo, excitado para engolir a manjuba toda. Gostosura assim, só dois homens podem sentir!
Assim é como imagino meu moleque ideal: pode ser machudinho, parrudo, metido a bofe. Pode ser levemente efeminado, manhoso, delicado. Traço os dois! Tendo pica é o que basta: grossa ou fina, grande ou pequena, torta ou reta, tanto faz. Se tiver catinguinha no sovaco, uma delícia! Se for descarado na cama e no começo da transa quiser chupar meu furico, melhor ainda. Sem pudor, sem tabu.
Ah, meu menino lindo! Se você existir, se você algum dia me aparecer, que seja logo, pois quero estar ainda com tudo em cima e dar conta do recado, pois do jeito que quero te amar e que vamos foder, vou precisar de muito mocotó ou viagra para dar conta do rojão....
Tem mais:4. Meu menino lindo: Cartas de amor de um frade sodomita, Lisboa, 1690
CRÔNICAS
6. Meu moleque ideal
Gosto não se discute, diz a sabedoria popular, e se assim não fosse, seríamos iguais a carneiros, todo mundo igual, sem nenhuma originalidade, gostando todos da mesma coisa. E a realidade comprova o contrário, que em matéria de gosto ou preferência sexual, nossa imaginação e desejos não têm limites. Basta entrar numa destas lojas de produtos eróticos ou folhear as páginas desta nossa querida revista, e veremos que tem gosto para tudo: os que curtem gente gorda, aqueles que preferem peludos, outras que querem sem pelo, muitos que adoram suruba, outros que sentem o maior tesão em se exibir, etc, etc. Em sexo, tudo é lindo e maravilhoso, e desde que as pessoas estejam de acordo e maiores de 18 anos segundo a lei em vigor, ninguém tem nada a ver com as preferências alheias. Cada qual no seu cada qual e fim de papo. Ou melhor, começo de papo!
Considero-me um gay felizardo pois amo e sou amado por um homem maravilhoso que preenche plenamente minhas fantasias e desejos sexuais, afetivos e de companheirismo. Nos gostamos tanto um do outro que várias vezes manifestamos o desejo de morrer juntos, pois só de imaginar a tristeza e solidão do desaparecimento da outra metade, isto nos provoca enorme tristeza e medo. Ainda existem casais gays românticos em plena época do divórcio, do amor livre e do sexo descartável. Caretice para alguns, felicidade para outros. Afinal, também em questão de afeto, gosto não se discute.
Analisando friamente as razões que levariam dois homens (ou duas mulheres, ou um homem e uma mulher) a viver com exclusividade uma paixão afetiva e erótica, creio que esta fidelidade poderia ser explicada quando menos por uma motivação bastante prática e mesmo oportunista: a dificuldade de encontrar um substituto melhor. Essa regra, constrangedora de ser constatada e verbalizada, parece ser universal: no dia em que a gente encontrar alguém que ofereça mais tesão, amizade e companheirismo do que a transa atual, ninguém é besta de continuar na mesmice em vez de optar pelo que promete ser muito melhor. Os que continuam fiéis a uma velha paixão só não mudam porque ainda não encontraram alguém que valha mais a pena. Ou porque não investem em novas procuras, ou porque não existe outro alguém que represente tão perfeitamente o que idealizamos como sendo nossa alma gêmea ou cara metade.
No fundo, todos nós, gays (e não gays) alimentamos em nossa imaginação um tipo ideal do homem que gostaríamos de amar e ter do lado. E que nem sempre é igual à nossa paixão atual. O ideal pode ser alto e branco, o real, baixo e preto. No meu caso, para dizer a verdade, se pudesse escolher livremente, o que eu queria mesmo não era um "homem" e sim um meninão. Um "efebo" do tipo daqueles que os nobres da Grécia antiga diziam que era a coisa mais fofa e gostosa para se amar e foder.
Se nossas leis permitissem, e se os santos e santas me ajudassem, adoraria encontrar um moleque maior de idade mas aparentando 15-16 anos, já com os pentelhos do saco aparecendo, a pica taludinha, não me importava a cor: adoraria se fosse negro como aquele moleque da boca carnuda da novela Terra Nostra; amaria se fosse moreninho miniatura do Xandi; gostaria também se fosse loirinho do tipo Leonardo di Caprio. Queria mesmo um moleque no frescor da juventude, malhadinho, com a voz esganiçada de adolescente em formação. De preferência inexperiente de sexo, melhor ainda se fosse completamente virgem e que descobrisse nos meus braços o gosto inebriante do erostimo. Sonho é sonho, e qual é o problema de querer demais?!
Queria que esse meu príncipezinho encantado fosse apaixonado pela vida, interessado em aprender comigo tudo o que de melhor eu mesmo aprendi nestes 50 e poucos anos de caminhada. Que gostasse de me ouvir, que se encantasse com tudo que sei fazer (desde pudim de leite e construir uma estante de madeira, a cuidar do jardim e navegar na internet), querendo tudo aprender para me superar em todas minhas limitações. Que acordasse de manhã com um sorriso lindo, me chamando de painho, que me fizesse massagem quando a dor na perna atacar. Honesto, carinhoso, alegre e amigo. Que me respondesse sempre ao primeiro chamado, contente de ser minha cara metade.
Quero um moleque fogoso, que fique logo com a pica dura e latejando ao menor toque de minha mão. Que se contorça todo de prazer, de olho fechado, quando lambo seu caralho, devagarinho, da cabeça até o talo. Que fique com o cuzinho piscando, fisgando, se abrindo e fechando, quando massageio delicadamente seu furico. Cuzinho bem limpo, piscando na ponta do dedo molhado com um pouquinho de cuspe é das sensações mais sacanas que um homem pode sentir: o moleque querendo meu cacete, se abrindo, excitado para engolir a manjuba toda. Gostosura assim, só dois homens podem sentir!
Assim é como imagino meu moleque ideal: pode ser machudinho, parrudo, metido a bofe. Pode ser levemente efeminado, manhoso, delicado. Traço os dois! Tendo pica é o que basta: grossa ou fina, grande ou pequena, torta ou reta, tanto faz. Se tiver catinguinha no sovaco, uma delícia! Se for descarado na cama e no começo da transa quiser chupar meu furico, melhor ainda. Sem pudor, sem tabu.
Ah, meu menino lindo! Se você existir, se você algum dia me aparecer, que seja logo, pois quero estar ainda com tudo em cima e dar conta do recado, pois do jeito que quero te amar e que vamos foder, vou precisar de muito mocotó ou viagra para dar conta do rojão....
Tem mais:4. Meu menino lindo: Cartas de amor de um frade sodomita, Lisboa, 1690
segunda-feira, fevereiro 16, 2009
O demolidor de mitos argentinos
Para sociólogo Juan José Sebreli, Maradona é oportunista, Evita era submissa, Che Guevara, um fracassado...
- O estádio Velodrome, em Marselha, foi palco, na quarta-feira, de uma cena inusitada. Nos minutos finais do jogo em que sua seleção estava sendo derrotada por 2 a 0 pela equipe argentina, a torcida francesa passou a ovacionar o técnico adversário, o ex-craque Diego Armando Maradona. A manifestação, contudo, não impressionou Juan José Sebreli, considerado um dos maiores sociólogos da Argentina. Ele é o autor de Cômicos e Mártires - Ensaio Contra os Mitos, obra em que demole alguns dos maiores ícones de seu país - como Maradona. "Ele é um fracasso que produz dinheiro", afirmou Sebreli em entrevista ao Aliás. Seu livro não economiza ataques também a ídolos do porte do cantor de tangos Carlos Gardel; da "mãe dos pobres" Evita Perón; e do líder guerrilheiro Ernesto Che Guevara. "Essas quatro personalidades mostram o pior lado dos argentinos", afirmou Sebreli. "A Argentina é talvez o país que lidera o ranking dos idólatras, se bem que os Estados Unidos também têm uma coisa com o culto das estrelas de Hollywood", provocou. "O problema é que o culto dos heróis é um obstáculo que impede os indivíduos de adquirirem consciência de que são seres responsáveis pelo próprio destino." Leia a seguir o que pensa o sociólogo sobre cinco mitos argentinos.
MARADONA, ESQUERDA CAVIAR
Em novembro, Diego Armando Maradona foi designado técnico da seleção. Diversas pesquisas indicaram que 75% dos argentinos não o queriam nesse posto devido a seu caráter turbulento, embora o respeitassem por seu passado como jogador. Os dois sucessos obtidos por Maradona desde sua entronização como técnico (o jogo contra a Escócia em novembro e a vitória contra a seleção da França na quarta-feira passada) não foram suficientes para dissipar da mente dos argentinos que Maradona ainda poderá fracassar. "Maradona é um fracasso que produz dinheiro. E, enquanto ele for assim, continuará sendo chamado para várias atividades", afirma Sebreli. "A Associação de Futebol da Argentina sabe que ele é incapaz de comandar a própria vida, muito menos a seleção." O sociólogo também considera Maradona símbolo da "esperteza" argentina. "O gol mais famoso da história do futebol argentino é o que ele fez com a mão, contra a Inglaterra na Copa do México. Gol feito com trapaça. Mas é o mais idolatrado pela população ... Essa sociedade que acredita que a lei está aí para ser violada. Adorar Maradona simboliza a decadência dessa sociedade."
Sobre o Maradona político: "Não é esquerdista, nem rebelde social ou transgressor. É um oportunista. Maradona adotou os slogans da ?esquerda caviar?. Apaixonou-se pela figura de Fidel Castro. Mas, ao mesmo tempo, aproximou-se do então presidente (neoliberal) Carlos Menem e assina contratos com empresas capitalistas. No início da carreira, era inclusive útil à ditadura militar. Agora está com os Kirchners."
EVITA, MULHER DO CHICOTE
Casada com o presidente Juan Domingo Perón, Evita transformou-se na garota-propaganda do governo do marido. "Ela exaltou, de forma significativa, a subordinação da mulher ao homem", diz Sebreli, torpedeando o mito de Evita como paladina do gênero feminino. "Além do voto para as mulheres, jamais pensou em reivindicações feministas essenciais, como o divórcio e a descriminação do aborto."
E acrescenta: "Embora em seu discurso estivesse do lado dos operários, respaldou de forma enérgica a repressão às greves feitas contra o marido. Evita, longe de ter sido uma defensora dos operários, ajudou na domesticação do sindicalismo argentino. Ela era a perseguida e a perseguidora, a mulher do chicote. Perón hoje pode ser discutido, mas Evita é intocável. Quase o mesmo caso do Che e Maradona. As pessoas fazem poucas piadas sobre eles. O dia em que começarem as piadas, será o fim de seus mitos."
BORGES E A NECROMANIA
Este ano os argentinos celebrarão os 110 anos do nascimento do escritor Jorge Luis Borges. "É um dos escritores mais representativos da Argentina. Renovou a prosa castelhana. Mas não sou um apaixonado por ele." Na semana passada, Borges foi alvo de polêmica quando um grupo de deputados peronistas anunciou que pretende repatriar seus restos mortais, hoje na Suíça. "Funerais são eventos mediáticos. Um funeral de Maradona estaria abarrotado. Se morresse em um avião que caísse sobre o mar, com certeza surgiriam lendas de que ainda estaria vivo. Com Gardel ocorreu algo assim (seu corpo ficou carbonizado em um acidente de avião). E com Evita havia o mistério sobre o paradeiro do cadáver sequestrado pelos militares. A necromania é algo que deveria ser analisado mais profundamente."
GARDEL
"Depois de sua morte, nos anos 30, já não era um personagem mitológico, a não ser para os tangueiros. Acontece que foi redescoberto pelos intelectuais nos anos 50 e voltou a ser mito". Segundo Sebreli, Gardel, definido como o "cantor nacional", passava "boa parte do tempo no exterior. Temia o público argentino. Dizia que a pátria estava onde ouvia aplausos".
Teve, segundo o sociólogo, o condimento adequado dos mitos - "o fato de estar rodeado de mistério e ter origem desconhecida. Não se sabe exatamente a data de seu nascimento e nem o lugar onde isso aconteceu. Essas contradições deram espaço a vidas imaginárias. Para completar, tinha o requisito de uma origem humilde." Sebreli sustenta que Gardel teve a sorte de o cinema sonoro o transformar em mito, pois assim ele pode ser visto por milhões de pessoas. "Antes de seus filmes era ouvido em apresentações para públicos pequenos. Sem a morte prematura não teria sido mito."
GUERRILHEIRO FRACASSADO
"Quinze dias antes de Che Guevara conhecer Fidel Castro, seu projeto era conseguir uma bolsa para ir estudar em Paris, acompanhado da mãe." Sebreli afirma que o mito do líder guerrilheiro de sucesso não tem fundamento. "Seu talento militar está desmentido pelos fatos. Todas suas tentativas de guerrilha terminaram em derrota." Mas, destaca sua "desmesurada paixão pelas armas e a guerra ... Em cartas de amor a Aleida March ele diz que a recordava ?sob a carícia renovada das balas?".
Che Guevara conseguiu mais sucesso morto do que vivo, insiste Sebreli. "E mais graças a suas imagens fotográficas do que suas aventuras políticas. Maio de 1968 divulgou muito a imagem do Che, que havia morrido na Bolívia um ano antes. A última imagem dele, morto, favorece o mito. Se a última imagem tivesse sido dele vivo, teria sido um horror, pois parecia um mendigo, após meses na selva boliviana. Os militares que o mataram se puseram a lavá-lo e penteá-lo pois queriam mostrar que era efetivamente ele e estava morto. Do jeito que estava quando havia sido preso, antes do fuzilamento, era irreconhecível."
* http://www.estadao.com.br/suplementos/not_sup324166,0.htm
- O estádio Velodrome, em Marselha, foi palco, na quarta-feira, de uma cena inusitada. Nos minutos finais do jogo em que sua seleção estava sendo derrotada por 2 a 0 pela equipe argentina, a torcida francesa passou a ovacionar o técnico adversário, o ex-craque Diego Armando Maradona. A manifestação, contudo, não impressionou Juan José Sebreli, considerado um dos maiores sociólogos da Argentina. Ele é o autor de Cômicos e Mártires - Ensaio Contra os Mitos, obra em que demole alguns dos maiores ícones de seu país - como Maradona. "Ele é um fracasso que produz dinheiro", afirmou Sebreli em entrevista ao Aliás. Seu livro não economiza ataques também a ídolos do porte do cantor de tangos Carlos Gardel; da "mãe dos pobres" Evita Perón; e do líder guerrilheiro Ernesto Che Guevara. "Essas quatro personalidades mostram o pior lado dos argentinos", afirmou Sebreli. "A Argentina é talvez o país que lidera o ranking dos idólatras, se bem que os Estados Unidos também têm uma coisa com o culto das estrelas de Hollywood", provocou. "O problema é que o culto dos heróis é um obstáculo que impede os indivíduos de adquirirem consciência de que são seres responsáveis pelo próprio destino." Leia a seguir o que pensa o sociólogo sobre cinco mitos argentinos.
MARADONA, ESQUERDA CAVIAR
Em novembro, Diego Armando Maradona foi designado técnico da seleção. Diversas pesquisas indicaram que 75% dos argentinos não o queriam nesse posto devido a seu caráter turbulento, embora o respeitassem por seu passado como jogador. Os dois sucessos obtidos por Maradona desde sua entronização como técnico (o jogo contra a Escócia em novembro e a vitória contra a seleção da França na quarta-feira passada) não foram suficientes para dissipar da mente dos argentinos que Maradona ainda poderá fracassar. "Maradona é um fracasso que produz dinheiro. E, enquanto ele for assim, continuará sendo chamado para várias atividades", afirma Sebreli. "A Associação de Futebol da Argentina sabe que ele é incapaz de comandar a própria vida, muito menos a seleção." O sociólogo também considera Maradona símbolo da "esperteza" argentina. "O gol mais famoso da história do futebol argentino é o que ele fez com a mão, contra a Inglaterra na Copa do México. Gol feito com trapaça. Mas é o mais idolatrado pela população ... Essa sociedade que acredita que a lei está aí para ser violada. Adorar Maradona simboliza a decadência dessa sociedade."
Sobre o Maradona político: "Não é esquerdista, nem rebelde social ou transgressor. É um oportunista. Maradona adotou os slogans da ?esquerda caviar?. Apaixonou-se pela figura de Fidel Castro. Mas, ao mesmo tempo, aproximou-se do então presidente (neoliberal) Carlos Menem e assina contratos com empresas capitalistas. No início da carreira, era inclusive útil à ditadura militar. Agora está com os Kirchners."
EVITA, MULHER DO CHICOTE
Casada com o presidente Juan Domingo Perón, Evita transformou-se na garota-propaganda do governo do marido. "Ela exaltou, de forma significativa, a subordinação da mulher ao homem", diz Sebreli, torpedeando o mito de Evita como paladina do gênero feminino. "Além do voto para as mulheres, jamais pensou em reivindicações feministas essenciais, como o divórcio e a descriminação do aborto."
E acrescenta: "Embora em seu discurso estivesse do lado dos operários, respaldou de forma enérgica a repressão às greves feitas contra o marido. Evita, longe de ter sido uma defensora dos operários, ajudou na domesticação do sindicalismo argentino. Ela era a perseguida e a perseguidora, a mulher do chicote. Perón hoje pode ser discutido, mas Evita é intocável. Quase o mesmo caso do Che e Maradona. As pessoas fazem poucas piadas sobre eles. O dia em que começarem as piadas, será o fim de seus mitos."
BORGES E A NECROMANIA
Este ano os argentinos celebrarão os 110 anos do nascimento do escritor Jorge Luis Borges. "É um dos escritores mais representativos da Argentina. Renovou a prosa castelhana. Mas não sou um apaixonado por ele." Na semana passada, Borges foi alvo de polêmica quando um grupo de deputados peronistas anunciou que pretende repatriar seus restos mortais, hoje na Suíça. "Funerais são eventos mediáticos. Um funeral de Maradona estaria abarrotado. Se morresse em um avião que caísse sobre o mar, com certeza surgiriam lendas de que ainda estaria vivo. Com Gardel ocorreu algo assim (seu corpo ficou carbonizado em um acidente de avião). E com Evita havia o mistério sobre o paradeiro do cadáver sequestrado pelos militares. A necromania é algo que deveria ser analisado mais profundamente."
GARDEL
"Depois de sua morte, nos anos 30, já não era um personagem mitológico, a não ser para os tangueiros. Acontece que foi redescoberto pelos intelectuais nos anos 50 e voltou a ser mito". Segundo Sebreli, Gardel, definido como o "cantor nacional", passava "boa parte do tempo no exterior. Temia o público argentino. Dizia que a pátria estava onde ouvia aplausos".
Teve, segundo o sociólogo, o condimento adequado dos mitos - "o fato de estar rodeado de mistério e ter origem desconhecida. Não se sabe exatamente a data de seu nascimento e nem o lugar onde isso aconteceu. Essas contradições deram espaço a vidas imaginárias. Para completar, tinha o requisito de uma origem humilde." Sebreli sustenta que Gardel teve a sorte de o cinema sonoro o transformar em mito, pois assim ele pode ser visto por milhões de pessoas. "Antes de seus filmes era ouvido em apresentações para públicos pequenos. Sem a morte prematura não teria sido mito."
GUERRILHEIRO FRACASSADO
"Quinze dias antes de Che Guevara conhecer Fidel Castro, seu projeto era conseguir uma bolsa para ir estudar em Paris, acompanhado da mãe." Sebreli afirma que o mito do líder guerrilheiro de sucesso não tem fundamento. "Seu talento militar está desmentido pelos fatos. Todas suas tentativas de guerrilha terminaram em derrota." Mas, destaca sua "desmesurada paixão pelas armas e a guerra ... Em cartas de amor a Aleida March ele diz que a recordava ?sob a carícia renovada das balas?".
Che Guevara conseguiu mais sucesso morto do que vivo, insiste Sebreli. "E mais graças a suas imagens fotográficas do que suas aventuras políticas. Maio de 1968 divulgou muito a imagem do Che, que havia morrido na Bolívia um ano antes. A última imagem dele, morto, favorece o mito. Se a última imagem tivesse sido dele vivo, teria sido um horror, pois parecia um mendigo, após meses na selva boliviana. Os militares que o mataram se puseram a lavá-lo e penteá-lo pois queriam mostrar que era efetivamente ele e estava morto. Do jeito que estava quando havia sido preso, antes do fuzilamento, era irreconhecível."
* http://www.estadao.com.br/suplementos/not_sup324166,0.htm
O Senado e Chávez
por Denis Lerrer Rosenfield
O Senado brasileiro, nas próximas semanas, deverá tomar uma decisão da maior relevância: a entrada ou não da Venezuela de Chávez no Mercosul. Não se trata de uma questão menor por envolver o valor mesmo da democracia enquanto princípio universal. O Senador José Sarney, novo presidente da Casa, quando de sua candidatura, foi duramente criticado por aquilo que é uma de suas virtudes: a defesa da democracia. Com efeito, o Tratado do Mercosul contempla um artigo, a cláusula democrática, que impede a entrada de países que não respeitem a democracia.
Chávez, com a ajuda de seus "companheiros" brasileiros, está empreendendo um trabalho sistemático de destruição da democracia por meios democráticos. Realiza eleições e referendos como se, assim, a democracia estivesse sendo preservada. Isso faz com que nossos iletrados digam que a democracia está sendo respeitada naquele país, quando o contrário é precisamente o verdadeiro.
Para que se tenha democracia, é necessário que uma série de condições seja preenchida, sem a qual ela se torna uma palavra oca, ou melhor, uma palavra que pode inclusive servir a propósitos totalitários. Na verdade, estamos observando naquele país a volta do socialismo do século 20, rebatizado de século 21. Este nada mais é do que a repetição das experiências totalitárias que desembocaram num dos maiores morticínios da humanidade. O uso da palavra "bolivariano" apenas acrescenta um outro disfarce a um projeto cujo alvo é a supressão mesma das liberdades.
Para que tenhamos democracia, é necessário que a divisão dos Poderes republicanos seja observada. Ora, Chávez concentra em suas mãos praticamente os Três Poderes: decide, legisla e julga. Tal concentração vimos na ex-União Soviética sob Stalin e na Alemanha sob Hitler. Promulga decretos legislativos, que são leis a partir das quais legisla sozinho, subordinando completamente o Poder Legislativo, que se torna somente um apêndice seu. O Poder Judiciário, por sua vez, foi completamente aparelhado, vindo a seguir totalmente as suas orientações.
A liberdade de imprensa e pensamento em geral, uma das marcas distintivas daquele país, está sendo cada vez mais cerceada, num processo que almeja a sua eliminação. Redes de televisão são fechadas, pessoas que critiquem o presidente-ditador podem ser criminalizadas e os seus programas midiáticos são de pura propaganda, recheados de ameaças aos seus adversários. Discordar do líder máximo vem a significar um crime de lesa-majestade. Stalin deve estar aplaudindo de sua tumba, regozijando-se com seu novo discípulo "bolivariano".
Os opositores são sistematicamente perseguidos e alguns assassinados em manifestações de rua como se fosse uma mera briga entre opositores. A artimanha é historicamente conhecida, tendo sido muito utilizada na Alemanha nazista. Trata-se da existência de milícias que respondem diretamente ao líder máximo, sendo armadas e treinadas por ele. Os fuzis, por exemplo, comprados da Rússia, em torno de 100 mil, têm como finalidade armar esses grupos paramilitares. Tais grupos são de estrita obediência, servindo aos mais diferentes propósitos, por mais escusos que sejam. Eles agem impunemente, não seguindo nenhuma legalidade.
Vejamos dois exemplos. O seu ex-ministro da Defesa, Raul Baduel, agora líder da oposição, que o sustentou quanto do golpe impetrado contra ele, foi recentemente alvo de "desconhecidos", que atiraram contra ele num claro sinal de coação e ameaça. O recado foi claro: pare com suas atividades, pois sua vida está a perigo. Nada foi apurado e os seus agressores continuam na impunidade. Amigos se tornam "inimigos", tal como ocorreu com os bolcheviques "companheiros" de Stalin. Uma sinagoga foi invadida e depredada também por um grupo de milicianos bolivarianos. Eles seguiram os discursos de seu chefe máximo, repletos de insinuações e declarações antissemitas. Alguns dias depois, aparece uma "investigação" apontando aparentemente os culpados. O esquema é o mesmo dos grupos paramilitares nazistas: serve aos mais diferentes propósitos, inclusive apresentar "culpados", se necessário. É a "regra" mesma de uma democracia totalitária. O que deve ser realçado é a existência desses grupos paramilitares, subordinados completamente ao líder, fazendo da democracia um utensílio descartável.
A União Europeia também não aceita em seu seio países que não respeitem a democracia e as liberdades. Trata-se de uma condição essencial de uma comunidade que preza a liberdade enquanto princípio de sua organização política. Imaginem se a União Soviética de Stalin e a Alemanha de Hitler tivessem solicitado aderir, naquela época, a uma hipotética Comunidade Europeia. Sempre haveria, é claro, os seus defensores, proclamando ser necessário distinguir os povos soviéticos e alemães de seus governantes. Os respectivos ditadores ficariam muito agradecidos por esse "insuspeito" apoio. As portas seriam abertas para esse novo cavalo de Troia.
A hipotética Comunidade Europeia começaria a se desintegrar internamente, com os liberticidas procurando ditar os rumos dessa associação de países. Num primeiro momento, por exemplo, governantes que compartilham de alguns de seus "valores", o de serem de "esquerda", poderiam dizer que os povos "irmãos" se juntam numa mesma cruzada contra o "neoliberalismo", na busca de "um outro mundo possível". No entanto, os valores genuínos da liberdade começariam a se esfacelar, abrindo caminho para o desprezo crescente para com a democracia. Uma incipiente comunidade seria minada internamente por uma ideologia, que procura transplantar para a América Latina do século 21 as experiências totalitárias do século 20.
O Senado não pode fugir a essa responsabilidade maior. Dizer não a Chávez significa dizer sim ao povo venezuelano e aos povos latino-americanos em geral. Sim à democracia.
Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS.E-mail: denisrosenfield@terra.com.br
O Senado brasileiro, nas próximas semanas, deverá tomar uma decisão da maior relevância: a entrada ou não da Venezuela de Chávez no Mercosul. Não se trata de uma questão menor por envolver o valor mesmo da democracia enquanto princípio universal. O Senador José Sarney, novo presidente da Casa, quando de sua candidatura, foi duramente criticado por aquilo que é uma de suas virtudes: a defesa da democracia. Com efeito, o Tratado do Mercosul contempla um artigo, a cláusula democrática, que impede a entrada de países que não respeitem a democracia.
Chávez, com a ajuda de seus "companheiros" brasileiros, está empreendendo um trabalho sistemático de destruição da democracia por meios democráticos. Realiza eleições e referendos como se, assim, a democracia estivesse sendo preservada. Isso faz com que nossos iletrados digam que a democracia está sendo respeitada naquele país, quando o contrário é precisamente o verdadeiro.
Para que se tenha democracia, é necessário que uma série de condições seja preenchida, sem a qual ela se torna uma palavra oca, ou melhor, uma palavra que pode inclusive servir a propósitos totalitários. Na verdade, estamos observando naquele país a volta do socialismo do século 20, rebatizado de século 21. Este nada mais é do que a repetição das experiências totalitárias que desembocaram num dos maiores morticínios da humanidade. O uso da palavra "bolivariano" apenas acrescenta um outro disfarce a um projeto cujo alvo é a supressão mesma das liberdades.
Para que tenhamos democracia, é necessário que a divisão dos Poderes republicanos seja observada. Ora, Chávez concentra em suas mãos praticamente os Três Poderes: decide, legisla e julga. Tal concentração vimos na ex-União Soviética sob Stalin e na Alemanha sob Hitler. Promulga decretos legislativos, que são leis a partir das quais legisla sozinho, subordinando completamente o Poder Legislativo, que se torna somente um apêndice seu. O Poder Judiciário, por sua vez, foi completamente aparelhado, vindo a seguir totalmente as suas orientações.
A liberdade de imprensa e pensamento em geral, uma das marcas distintivas daquele país, está sendo cada vez mais cerceada, num processo que almeja a sua eliminação. Redes de televisão são fechadas, pessoas que critiquem o presidente-ditador podem ser criminalizadas e os seus programas midiáticos são de pura propaganda, recheados de ameaças aos seus adversários. Discordar do líder máximo vem a significar um crime de lesa-majestade. Stalin deve estar aplaudindo de sua tumba, regozijando-se com seu novo discípulo "bolivariano".
Os opositores são sistematicamente perseguidos e alguns assassinados em manifestações de rua como se fosse uma mera briga entre opositores. A artimanha é historicamente conhecida, tendo sido muito utilizada na Alemanha nazista. Trata-se da existência de milícias que respondem diretamente ao líder máximo, sendo armadas e treinadas por ele. Os fuzis, por exemplo, comprados da Rússia, em torno de 100 mil, têm como finalidade armar esses grupos paramilitares. Tais grupos são de estrita obediência, servindo aos mais diferentes propósitos, por mais escusos que sejam. Eles agem impunemente, não seguindo nenhuma legalidade.
Vejamos dois exemplos. O seu ex-ministro da Defesa, Raul Baduel, agora líder da oposição, que o sustentou quanto do golpe impetrado contra ele, foi recentemente alvo de "desconhecidos", que atiraram contra ele num claro sinal de coação e ameaça. O recado foi claro: pare com suas atividades, pois sua vida está a perigo. Nada foi apurado e os seus agressores continuam na impunidade. Amigos se tornam "inimigos", tal como ocorreu com os bolcheviques "companheiros" de Stalin. Uma sinagoga foi invadida e depredada também por um grupo de milicianos bolivarianos. Eles seguiram os discursos de seu chefe máximo, repletos de insinuações e declarações antissemitas. Alguns dias depois, aparece uma "investigação" apontando aparentemente os culpados. O esquema é o mesmo dos grupos paramilitares nazistas: serve aos mais diferentes propósitos, inclusive apresentar "culpados", se necessário. É a "regra" mesma de uma democracia totalitária. O que deve ser realçado é a existência desses grupos paramilitares, subordinados completamente ao líder, fazendo da democracia um utensílio descartável.
A União Europeia também não aceita em seu seio países que não respeitem a democracia e as liberdades. Trata-se de uma condição essencial de uma comunidade que preza a liberdade enquanto princípio de sua organização política. Imaginem se a União Soviética de Stalin e a Alemanha de Hitler tivessem solicitado aderir, naquela época, a uma hipotética Comunidade Europeia. Sempre haveria, é claro, os seus defensores, proclamando ser necessário distinguir os povos soviéticos e alemães de seus governantes. Os respectivos ditadores ficariam muito agradecidos por esse "insuspeito" apoio. As portas seriam abertas para esse novo cavalo de Troia.
A hipotética Comunidade Europeia começaria a se desintegrar internamente, com os liberticidas procurando ditar os rumos dessa associação de países. Num primeiro momento, por exemplo, governantes que compartilham de alguns de seus "valores", o de serem de "esquerda", poderiam dizer que os povos "irmãos" se juntam numa mesma cruzada contra o "neoliberalismo", na busca de "um outro mundo possível". No entanto, os valores genuínos da liberdade começariam a se esfacelar, abrindo caminho para o desprezo crescente para com a democracia. Uma incipiente comunidade seria minada internamente por uma ideologia, que procura transplantar para a América Latina do século 21 as experiências totalitárias do século 20.
O Senado não pode fugir a essa responsabilidade maior. Dizer não a Chávez significa dizer sim ao povo venezuelano e aos povos latino-americanos em geral. Sim à democracia.
Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS.E-mail: denisrosenfield@terra.com.br
sábado, fevereiro 14, 2009
Battisti é nosso!
por João Mellão Neto
Em matéria de abrigo político o Brasil faz jus ao título de "curva de rio": todo o lixo do mundo encosta aqui. Quem primeiro nos alçou às manchetes internacionais foi Ronald Biggs, nos anos 70 do século 20.
Para quem não conhece a sua história, vale lembrar: Biggs era um dos membros da quadrilha que assaltou o trem pagador, em 1963, na Grã-Bretanha. Essa incursão ficou conhecida como "o crime do século 20". Foi preso e condenado. Fugiu pouco tempo depois. Andou pelo mundo e acabou dando as caras no Brasil, na década de 70. A Inglaterra não poupou esforços para tê-lo de volta. Tentou extraditá-lo. Impossível. O Brasil não tinha um tratado específico para tanto. Procurou, então, fazer com que ele fosse expulso. Nada feito. Biggs alegou que teria um filho com uma brasileira e isso bastou para sustar o processo.
Por mais de 30 anos, ele foi hóspede de nosso país. Como celebridade que era, tratou de viver de sua imagem. Camisetas, chaveiros, canecas, tudo pôde ser comercializado com a sua estampa. Alugava até mesmo algumas horas de convivência consigo.
Enquanto tudo isso ocorria, a imagem do Brasil no exterior caminhava para o fundo do poço. Nos livros e nos filmes, o grande sonho de todos os personagens que cometiam algum crime era se refugiar aqui. Nossas leis e nossos juízes - segundo se acreditava no mundo inteiro - eram por demais condescendentes com os bandidos estrangeiros. Não éramos, evidentemente, um país sério...
Até que certo dia Ronald Biggs avisou que voltaria para casa. Isso ocorreu já na presente década. Consternação geral. O simpático bandoleiro preferiu viver numa prisão inglesa a permanecer em liberdade no Brasil. Como pode?
Pois bem, eis que surge agora um substituto à altura. Trata-se de Cesare Battisti, um notório terrorista italiano. Ele não possui o charme de seu antecessor, é verdade, mas conta com nada menos do que quatro assassinatos em seu currículo. Ninguém sabe ao certo por qual razão ele veio morar aqui. Mas, sem dúvida, o antecedente aberto pelo inglês pesou em sua decisão.
O Brasil não o desapontou. Tão logo foi descoberto e preso - numa operação policial internacional -, numerosas vozes se levantaram em sua defesa. Deu certo. O governo brasileiro acaba de conceder a Battisti o status de refugiado político.
O italiano já se preparava para deixar a cadeia e assumir a carreira de escritor - que seria, claro, alavancada por sua recém-adquirida popularidade - quando percebeu que, desta vez, não seria tão fácil. O Supremo Tribunal Federal (STF) recusou-se a libertá-lo. Em vez disso, tratará de julgar o mérito da atitude tomada pelo Poder Executivo.
Como ficarão, então, o ministro da Justiça, que tomou a decisão, e o presidente da República, que correu para respaldá-la?
Se o STF decidir anular a decisão, ficarão muito mal, obviamente. Bem-feito. Tanto Lula como Tarso Genro terão de compreender que os brasileiros, em geral, há muito tempo deixaram para trás a vocação malandra e o espírito galhofeiro.
Caso contrário estaríamos todos aplaudindo a decretação, pelo governo nacional, da impunidade vitalícia do bandido italiano e também de todos os demais que por aqui aportarem.
Mas a questão vai muito além. Nossas relações com a Itália, no momento, estão bastante deterioradas. A simples concessão do status de refugiado político a alguém condenado por crimes de sangue já representou, por si só, um tapa na cara da opinião pública italiana. Se os italianos, no sentido contrário, tivessem oferecido abrigo político a alguém como Fernandinho Beira-Mar, nós também estaríamos possessos.
Mas nosso imprevisível e desconcertante ministro não se contentou com isso e foi muito além. Nas justificativas de seu ato fez questão de reiterar que os julgamentos de Battisti na Itália não foram justos nem obedeceram ao devido processo legal; e que, caso fosse devolvido, Battisti sofreria perseguições políticas pelas autoridades italianas.
Ora, os italianos têm todos os motivos para estarem indignados. Num único documento o senhor Tarso Genro conseguiu pôr em dúvida a isenção e a eficácia do Poder Judiciário italiano e menosprezar a capacidade da democracia italiana de coibir qualquer tipo de discriminação ou desejo, do poder constituído, de perseguir os seus desafetos.
Como desabafou um ministro italiano: "Não dá para admitir que o Brasil ou Lula venham nos dar lições sobre Justiça e Democracia." E ele tem razão. A democracia italiana existe desde o final da 2ª Guerra Mundial e, apesar da instabilidade dos seus gabinetes, tem sido mantida sem nenhuma interrupção.
O Brasil, no mesmo período, teve 4 presidentes depostos, 1 que renunciou ao posto, 1 que se matou, 1 que sofreu impeachment, 4 vices que assumiram em caráter permanente e 5 presidentes que chegaram ao poder sem votos.
De fato, tais circunstâncias nos descredenciam, de início, a pretender dar aulas de democracia a quem quer que seja. Só mesmo Genro não percebe isso.
Lula, ao defender a atitude tomada por seu estabanado ministro, como sempre extrapolou: declarou que o abrigo concedido a Battisti é uma questão de "soberania nacional".
Trata-se de um argumento apelativo. Tal qual uma meia de náilon, ele serve em qualquer pé. E é geralmente utilizado por demagogos e populistas. Já serviu, no nosso passado, para justificar o monopólio da Petrobrás ("O petróleo é nosso"), a existência de empresas estatais, o desrespeito contumaz aos direitos humanos, o nacionalismo econômico, o protecionismo comercial e uma série de outras bandeiras por si só indefensáveis.
Há, é claro, outras formas mais maduras de reafirmar a nossa independência, a nossa autonomia e a nossa soberania.
Não precisamos, para tanto, acolher todos os terroristas e assaltantes de banco que chegam às nossas praias.
Respeito é algo que se dá, não que se pede. Se o queremos, temos antes de nos dar a ele.
João Mellão Neto, jornalista, deputado estadual, foi deputado federal, secretário e ministro de Estado
E-mail: j.mellao@uol.com.br
Em matéria de abrigo político o Brasil faz jus ao título de "curva de rio": todo o lixo do mundo encosta aqui. Quem primeiro nos alçou às manchetes internacionais foi Ronald Biggs, nos anos 70 do século 20.
Para quem não conhece a sua história, vale lembrar: Biggs era um dos membros da quadrilha que assaltou o trem pagador, em 1963, na Grã-Bretanha. Essa incursão ficou conhecida como "o crime do século 20". Foi preso e condenado. Fugiu pouco tempo depois. Andou pelo mundo e acabou dando as caras no Brasil, na década de 70. A Inglaterra não poupou esforços para tê-lo de volta. Tentou extraditá-lo. Impossível. O Brasil não tinha um tratado específico para tanto. Procurou, então, fazer com que ele fosse expulso. Nada feito. Biggs alegou que teria um filho com uma brasileira e isso bastou para sustar o processo.
Por mais de 30 anos, ele foi hóspede de nosso país. Como celebridade que era, tratou de viver de sua imagem. Camisetas, chaveiros, canecas, tudo pôde ser comercializado com a sua estampa. Alugava até mesmo algumas horas de convivência consigo.
Enquanto tudo isso ocorria, a imagem do Brasil no exterior caminhava para o fundo do poço. Nos livros e nos filmes, o grande sonho de todos os personagens que cometiam algum crime era se refugiar aqui. Nossas leis e nossos juízes - segundo se acreditava no mundo inteiro - eram por demais condescendentes com os bandidos estrangeiros. Não éramos, evidentemente, um país sério...
Até que certo dia Ronald Biggs avisou que voltaria para casa. Isso ocorreu já na presente década. Consternação geral. O simpático bandoleiro preferiu viver numa prisão inglesa a permanecer em liberdade no Brasil. Como pode?
Pois bem, eis que surge agora um substituto à altura. Trata-se de Cesare Battisti, um notório terrorista italiano. Ele não possui o charme de seu antecessor, é verdade, mas conta com nada menos do que quatro assassinatos em seu currículo. Ninguém sabe ao certo por qual razão ele veio morar aqui. Mas, sem dúvida, o antecedente aberto pelo inglês pesou em sua decisão.
O Brasil não o desapontou. Tão logo foi descoberto e preso - numa operação policial internacional -, numerosas vozes se levantaram em sua defesa. Deu certo. O governo brasileiro acaba de conceder a Battisti o status de refugiado político.
O italiano já se preparava para deixar a cadeia e assumir a carreira de escritor - que seria, claro, alavancada por sua recém-adquirida popularidade - quando percebeu que, desta vez, não seria tão fácil. O Supremo Tribunal Federal (STF) recusou-se a libertá-lo. Em vez disso, tratará de julgar o mérito da atitude tomada pelo Poder Executivo.
Como ficarão, então, o ministro da Justiça, que tomou a decisão, e o presidente da República, que correu para respaldá-la?
Se o STF decidir anular a decisão, ficarão muito mal, obviamente. Bem-feito. Tanto Lula como Tarso Genro terão de compreender que os brasileiros, em geral, há muito tempo deixaram para trás a vocação malandra e o espírito galhofeiro.
Caso contrário estaríamos todos aplaudindo a decretação, pelo governo nacional, da impunidade vitalícia do bandido italiano e também de todos os demais que por aqui aportarem.
Mas a questão vai muito além. Nossas relações com a Itália, no momento, estão bastante deterioradas. A simples concessão do status de refugiado político a alguém condenado por crimes de sangue já representou, por si só, um tapa na cara da opinião pública italiana. Se os italianos, no sentido contrário, tivessem oferecido abrigo político a alguém como Fernandinho Beira-Mar, nós também estaríamos possessos.
Mas nosso imprevisível e desconcertante ministro não se contentou com isso e foi muito além. Nas justificativas de seu ato fez questão de reiterar que os julgamentos de Battisti na Itália não foram justos nem obedeceram ao devido processo legal; e que, caso fosse devolvido, Battisti sofreria perseguições políticas pelas autoridades italianas.
Ora, os italianos têm todos os motivos para estarem indignados. Num único documento o senhor Tarso Genro conseguiu pôr em dúvida a isenção e a eficácia do Poder Judiciário italiano e menosprezar a capacidade da democracia italiana de coibir qualquer tipo de discriminação ou desejo, do poder constituído, de perseguir os seus desafetos.
Como desabafou um ministro italiano: "Não dá para admitir que o Brasil ou Lula venham nos dar lições sobre Justiça e Democracia." E ele tem razão. A democracia italiana existe desde o final da 2ª Guerra Mundial e, apesar da instabilidade dos seus gabinetes, tem sido mantida sem nenhuma interrupção.
O Brasil, no mesmo período, teve 4 presidentes depostos, 1 que renunciou ao posto, 1 que se matou, 1 que sofreu impeachment, 4 vices que assumiram em caráter permanente e 5 presidentes que chegaram ao poder sem votos.
De fato, tais circunstâncias nos descredenciam, de início, a pretender dar aulas de democracia a quem quer que seja. Só mesmo Genro não percebe isso.
Lula, ao defender a atitude tomada por seu estabanado ministro, como sempre extrapolou: declarou que o abrigo concedido a Battisti é uma questão de "soberania nacional".
Trata-se de um argumento apelativo. Tal qual uma meia de náilon, ele serve em qualquer pé. E é geralmente utilizado por demagogos e populistas. Já serviu, no nosso passado, para justificar o monopólio da Petrobrás ("O petróleo é nosso"), a existência de empresas estatais, o desrespeito contumaz aos direitos humanos, o nacionalismo econômico, o protecionismo comercial e uma série de outras bandeiras por si só indefensáveis.
Há, é claro, outras formas mais maduras de reafirmar a nossa independência, a nossa autonomia e a nossa soberania.
Não precisamos, para tanto, acolher todos os terroristas e assaltantes de banco que chegam às nossas praias.
Respeito é algo que se dá, não que se pede. Se o queremos, temos antes de nos dar a ele.
João Mellão Neto, jornalista, deputado estadual, foi deputado federal, secretário e ministro de Estado
E-mail: j.mellao@uol.com.br
terça-feira, fevereiro 10, 2009
O bolsa-vaselina
Miguezim de Princesa
I
Sem ter mais o que doar,
O Governo da Nação
Resolveu, virando os olhos,
Gastar mais de R$ 1 milhão,
Doando para os viados
Bolsa-lubrificação.
II
Quem tem o seu pode dar
Da forma como quiser,
Seja feio, seja bonito,
Seja homem ou mulher,
E tem de agüentar o tranco
Da forma como vier.
III
O Governo Federal,
Que em tudo quer se meter,
Decretou que o coito anal
Tem mas não pode doer
E o Bolsa-Vaselina
Surgiu para socorrer.
IV
Quinze milhões de sachês:
A farra está animada!
Vai ter festa a noite inteira,
Até mesmo na Esplanada,
Sem ninguém sequer sentir
A hora da estocada.
V
Coitada da prega-mãe,
Vai perder o seu valor,
Pois é ela quem avisa
Na hora que aumenta a dor
E protege as outras pregas
De algum violentador.
VI
O governo quer tirar
Do gay a satisfação,
Como mulher sem prazer
(Fonte de reprodução),
Porque tanta vaselina
Vai tirar a "sensação".
VII
- É para reduzir danos
- Defende logo um petista.
Porque na hora do coito
Dá um escuro na vista
E a dor é tão profunda
Que eu sinto dó do artista.
VIII
- Mas tu já desse, bichim?
- pergunta Zé de Orlando.
O governista sai bravo,
Dando coice e espumando,
Pega o "rabo de cavalo"
E sai no dedo enrolando.
IX
O Brasil é mesmo assim:
Prostituta tem prazer,
Vagabundo tira férias,
Se trabalha sem comer
E quem dá o ás-de-copas,
Dá mas não pode doer.
X
O governo resolveu
Dar bolsa pra todo mundo
E criar um grande exército
De milhões de vagabundos
Só faltava esta bolsa
De vaselinar os fundos.
Miguezim de Princesa
I
Sem ter mais o que doar,
O Governo da Nação
Resolveu, virando os olhos,
Gastar mais de R$ 1 milhão,
Doando para os viados
Bolsa-lubrificação.
II
Quem tem o seu pode dar
Da forma como quiser,
Seja feio, seja bonito,
Seja homem ou mulher,
E tem de agüentar o tranco
Da forma como vier.
III
O Governo Federal,
Que em tudo quer se meter,
Decretou que o coito anal
Tem mas não pode doer
E o Bolsa-Vaselina
Surgiu para socorrer.
IV
Quinze milhões de sachês:
A farra está animada!
Vai ter festa a noite inteira,
Até mesmo na Esplanada,
Sem ninguém sequer sentir
A hora da estocada.
V
Coitada da prega-mãe,
Vai perder o seu valor,
Pois é ela quem avisa
Na hora que aumenta a dor
E protege as outras pregas
De algum violentador.
VI
O governo quer tirar
Do gay a satisfação,
Como mulher sem prazer
(Fonte de reprodução),
Porque tanta vaselina
Vai tirar a "sensação".
VII
- É para reduzir danos
- Defende logo um petista.
Porque na hora do coito
Dá um escuro na vista
E a dor é tão profunda
Que eu sinto dó do artista.
VIII
- Mas tu já desse, bichim?
- pergunta Zé de Orlando.
O governista sai bravo,
Dando coice e espumando,
Pega o "rabo de cavalo"
E sai no dedo enrolando.
IX
O Brasil é mesmo assim:
Prostituta tem prazer,
Vagabundo tira férias,
Se trabalha sem comer
E quem dá o ás-de-copas,
Dá mas não pode doer.
X
O governo resolveu
Dar bolsa pra todo mundo
E criar um grande exército
De milhões de vagabundos
Só faltava esta bolsa
De vaselinar os fundos.
Miguezim de Princesa
Metamorfose
por Luiz Felipe Pondé
Por que os clássicos são pessimistas? Seria o trágico uma moda? Três mil anos de moda?
AO SER indagado se não tinha esperanças, Kafka disse, "esperanças há muitas, mas não para nós". Janouch narra um dia em que ele, com 20 anos, disse a Kafka, então com 40, "hoje não estou entendendo nada do que você diz". Kafka respondeu "deve ser a misericórdia de Deus, porque sendo você jovem, e estando eu hoje pessimista, se você me entendesse, você ficaria mal". Confessa: "o pessimismo é meu pecado".
Por que os clássicos são tão pessimistas? Seria o trágico uma moda? Três mil anos de moda? Improvável. Na sua coluna de 21 de janeiro, meu colega ilustrado (velha piada entre nós) Marcelo Coelho critica "meu" pessimismo. Colunistas que "matam a esperança" são supérfluos. O bom jornalismo opinativo é pautado pelo conflito de ideias, por isso, agradeço suas críticas. Ele acha que ao duvidar do Iluminismo reforço forças regressivas na experiência humana. Eu penso que o Iluminismo é que é regressivo porque caminha sobre fantasias enquanto os homens caminham sobre tumbas. Nós modernos somos a raça mais covarde que caminhou sobre a Terra. Não escrevo para tornar a vida do meu leitor melhor. Escrevo e leio para não me sentir só. Quando olho os "avanços" da nossa minúscula história, penso: como nos verão em mil anos? Como a decadência do século 17? Rirão de nós porque demos direitos aos ratos, enquanto fizemos dos bebês lixo reciclável pelo direito de gozar mais? Respondo a pergunta "o que eu acho da Revolução Francesa?" com "ainda é cedo pra dizer qualquer coisa".
Imaginem dois africanos no século 19. Um vende o outro como escravo (negros vendiam negros). O escravo é levado para os Estados Unidos e lá sofre todo tipo de horror da escravidão. O outro fica livre e feliz na África. Adiantem o filme. O bisneto do escravo mora nos EUA, casa na praia, filhos na faculdade, e a esposa, bisneta de outro escravo, médica de sucesso. Voltem pra África. Muitos bisnetos do que ficou lá continuam a viver em seus buracos, matando-se do mesmo jeito (como acabou a escravidão, perderam a chance de vender seus "irmãos"). Famílias afundam na miséria. Qual é a moral desta história? Que a escravidão foi uma bênção para os afro-americanos porque os levou para os EUA? E a liberdade do outro, a maldição de seus bisnetos? Os afro-americanos, que hoje celebram a vitória do Obama, depois de muito sofrimento, diriam "ainda bem que nossos bisavós foram escravos"? Não! A escravidão é um horror.
A questão é outra: qual o sentido da história humana? Nenhum. A história não é a luta entre a luz e as trevas. Não porque elas não existam, mas porque não sabemos identificar, com o microscópio das ideias claras e distintas de que dispomos, a trama infinita de suas relações. Um homem faz o que pode em meio a opacidade do mundo. Meu pecado é não fazer o marketing da democracia de massa. Falsos sentimentos são comuns nos homens, logo, quanto mais homens, maior a chance de mentira, por isso desconfio de bons sentimentos em grandes quantidades.
Mais? Os índios não vivem em comunhão com a natureza, apenas ficaram na idade da pedra em técnicas de domínio da natureza, como muitos africanos que ficaram na África. A ciência e a política tampouco fazem os homens melhores. O mundo não é dividido entre elite má e pobre bom. Se a elite é cruel, o povo é violento e interesseiro. Os homens não são iguais, alguns são melhores. A igualdade ama o medíocre. É mentira que todo mundo possa julgar as coisas por si só. A propaganda desta mentira gera uma horda de invejosos que sonham em destruir quem eles julgam livres. Supérfluo? Mentira. Num mundo parasitado pelo marketing como forma de vida, ser pessimista é um método. Não se trata de dizer morbidamente "o mundo é mau", mas reconhecer que no humano a verdade é uma ferida incurável. A esperança que conta é a do animal ferido.
Nada disso implica concordar com crianças mortas. O debate ao redor da esperança não é um problema do quão otimista somos, mas o que em nós nos faria colaborar com nazistas na França ocupada, além do medo. Manter o emprego? A chance de destruir alguém melhor do que eu? Tomar a mulher de alguém? Promoção pessoal? Nada mais banal, nada mais humano. Na "Metamorfose", Gregor Samsa, agora uma barata, vê a delícia que é caminhar de cabeça pra baixo com suas perninhas coladas ao teto. Sente-se finalmente feliz. A barata é a otimista em Kafka.
luiz.ponde@grupofolha.com.br
Por que os clássicos são pessimistas? Seria o trágico uma moda? Três mil anos de moda?
AO SER indagado se não tinha esperanças, Kafka disse, "esperanças há muitas, mas não para nós". Janouch narra um dia em que ele, com 20 anos, disse a Kafka, então com 40, "hoje não estou entendendo nada do que você diz". Kafka respondeu "deve ser a misericórdia de Deus, porque sendo você jovem, e estando eu hoje pessimista, se você me entendesse, você ficaria mal". Confessa: "o pessimismo é meu pecado".
Por que os clássicos são tão pessimistas? Seria o trágico uma moda? Três mil anos de moda? Improvável. Na sua coluna de 21 de janeiro, meu colega ilustrado (velha piada entre nós) Marcelo Coelho critica "meu" pessimismo. Colunistas que "matam a esperança" são supérfluos. O bom jornalismo opinativo é pautado pelo conflito de ideias, por isso, agradeço suas críticas. Ele acha que ao duvidar do Iluminismo reforço forças regressivas na experiência humana. Eu penso que o Iluminismo é que é regressivo porque caminha sobre fantasias enquanto os homens caminham sobre tumbas. Nós modernos somos a raça mais covarde que caminhou sobre a Terra. Não escrevo para tornar a vida do meu leitor melhor. Escrevo e leio para não me sentir só. Quando olho os "avanços" da nossa minúscula história, penso: como nos verão em mil anos? Como a decadência do século 17? Rirão de nós porque demos direitos aos ratos, enquanto fizemos dos bebês lixo reciclável pelo direito de gozar mais? Respondo a pergunta "o que eu acho da Revolução Francesa?" com "ainda é cedo pra dizer qualquer coisa".
Imaginem dois africanos no século 19. Um vende o outro como escravo (negros vendiam negros). O escravo é levado para os Estados Unidos e lá sofre todo tipo de horror da escravidão. O outro fica livre e feliz na África. Adiantem o filme. O bisneto do escravo mora nos EUA, casa na praia, filhos na faculdade, e a esposa, bisneta de outro escravo, médica de sucesso. Voltem pra África. Muitos bisnetos do que ficou lá continuam a viver em seus buracos, matando-se do mesmo jeito (como acabou a escravidão, perderam a chance de vender seus "irmãos"). Famílias afundam na miséria. Qual é a moral desta história? Que a escravidão foi uma bênção para os afro-americanos porque os levou para os EUA? E a liberdade do outro, a maldição de seus bisnetos? Os afro-americanos, que hoje celebram a vitória do Obama, depois de muito sofrimento, diriam "ainda bem que nossos bisavós foram escravos"? Não! A escravidão é um horror.
A questão é outra: qual o sentido da história humana? Nenhum. A história não é a luta entre a luz e as trevas. Não porque elas não existam, mas porque não sabemos identificar, com o microscópio das ideias claras e distintas de que dispomos, a trama infinita de suas relações. Um homem faz o que pode em meio a opacidade do mundo. Meu pecado é não fazer o marketing da democracia de massa. Falsos sentimentos são comuns nos homens, logo, quanto mais homens, maior a chance de mentira, por isso desconfio de bons sentimentos em grandes quantidades.
Mais? Os índios não vivem em comunhão com a natureza, apenas ficaram na idade da pedra em técnicas de domínio da natureza, como muitos africanos que ficaram na África. A ciência e a política tampouco fazem os homens melhores. O mundo não é dividido entre elite má e pobre bom. Se a elite é cruel, o povo é violento e interesseiro. Os homens não são iguais, alguns são melhores. A igualdade ama o medíocre. É mentira que todo mundo possa julgar as coisas por si só. A propaganda desta mentira gera uma horda de invejosos que sonham em destruir quem eles julgam livres. Supérfluo? Mentira. Num mundo parasitado pelo marketing como forma de vida, ser pessimista é um método. Não se trata de dizer morbidamente "o mundo é mau", mas reconhecer que no humano a verdade é uma ferida incurável. A esperança que conta é a do animal ferido.
Nada disso implica concordar com crianças mortas. O debate ao redor da esperança não é um problema do quão otimista somos, mas o que em nós nos faria colaborar com nazistas na França ocupada, além do medo. Manter o emprego? A chance de destruir alguém melhor do que eu? Tomar a mulher de alguém? Promoção pessoal? Nada mais banal, nada mais humano. Na "Metamorfose", Gregor Samsa, agora uma barata, vê a delícia que é caminhar de cabeça pra baixo com suas perninhas coladas ao teto. Sente-se finalmente feliz. A barata é a otimista em Kafka.
luiz.ponde@grupofolha.com.br
quinta-feira, fevereiro 05, 2009
A encruzilhada da crise
por Ives Gandra da Silva Martins
Teme-se uma recaída por teses fracassadas. As crises da economia de mercado são cíclicas, mas as das socialistas são permanentes
EM SETEMBRO de 2008, presidi o 8º Congresso Internacional de Direito Tributário, em Recife, coordenado pela eminente professora Mary Elbe. Na palestra inaugural, analisando a crise mundial que explodira naquele mês (em 1/ 9/08 o dólar estava a R$ 1,61), comentei estar o presidente Lula equivocado ao assegurar que o Brasil estaria blindado contra seus efeitos e que a crise era apenas dos países desenvolvidos.
Lamentei, mas tive que afirmar aos participantes, entre os quais professores portugueses, espanhóis e latino-americanos, que a crise atingiria o Brasil, duramente. Disse-lhes, também, não em conferência, mas nos encontros paralelos, temer que, no momento da chegada da crise em nosso país, o governo sofresse uma recaída socialista.
As recentes declarações do presidente Lula em Belém, contrastando com as de Putin, em Davos, parecem demonstrar que algumas autoridades federais estão revisitando as teses esquerdistas por elas preconizadas no Foro de São Paulo, muitos anos atrás.
O período eleitoral que se aproxima leva o governo a uma encruzilhada. Enquanto havia um boom econômico mundial, como de 2003 a 2008, graças à expansão desmedida do mercado consumidor, o Brasil aproveitou a maré alta e navegou em águas tranquilas, com o governo atribuindo a si os méritos do crescimento.
A atitude natural seria, agora, compreender que, em período de maré baixa, dever-se-ia começar, como os demais governos, a buscar soluções, como preconizam as autoridades econômicas, destinadas a recuperar o mercado, que, no Brasil, teve o agravamento de um inchaço desmesurado da máquina estatal.
No entanto, o caminho adotado parece ser aquele de atribuir aos outros culpas que são do governo e transformar a crise em trampolim para um discurso semelhante ao de seus amigos e vizinhos (Chávez, Morales e Correa), que aprovaram, recentemente, Constituições em que existe um só Poder (Executivo), pois os outros dois (Judiciário e Legislativo) são Poderes acólitos e homologatórios dos atos presidenciais.
Se o presidente Lula persistir no discurso do Fórum Social Mundial, de Belém, correrá o risco de dificultar a recuperação da economia -o que, na melhor das hipóteses, apenas será possível no ano de 2010-, além de afastar investimentos e parceiros importantes do setor privado, que ficariam em atitude reticente, aguardando sinalizações menos preocupantes.
É de lembrar que a própria posição assumida no caso Battisti, criando um desnecessário litígio com a Itália, desqualificando as Justiças italiana e europeia, sobre albergar condenado por quatro assassinatos, demonstrou insensibilidade -e o presidente, curiosamente, tem tido sensibilidade em muitas atitudes políticas-, pois, de certa forma, sinaliza que o Brasil pode receber terroristas, desde que tenham sido militantes da esquerda.
Não percebe o presidente que o terrorismo não se justifica nunca, mas é particularmente injustificável quando praticado em autênticas democracias, como é a Itália. Quando Lula foi eleito, muitos temiam que seu governo se pautaria pelas ideias do Foro de São Paulo, do qual participou e que propunha soluções políticas radicais, inclusive para a tomada do poder. A moderação política que assumiu enquanto o país esteve voando ao sabor do céu azul do crescimento mundial afastou os temores de um governo radical, nada obstante a sua simpatia pelo ditador Fidel Castro, que, ao assumir o poder em Cuba, se notabilizou pelos fuzilamentos em paredões de pessoas às quais não foi dado o direito de defesa.
Chegada a tormenta, todavia, teme-se que haja uma recaída presidencial pelas teses fracassadas até hoje no mundo inteiro, pois as crises da economia de mercado são cíclicas, e as crises das economias socialistas, permanentes. Tanto é verdade que a China só ganhou o status atual depois que deixou a economia socialista e aderiu à economia de mercado.
Os próximos meses mostrarão que alternativa seguirá o presidente. A de buscar equacionar os problemas, como os outros países estão fazendo, corrigindo erros apontados pela crise; ou atribuí-los a terceiros, procurando bodes expiatórios fora do governo, o que atrasará a recuperação do país, embora possa obter dividendos eleitorais e, apostando no "quanto pior, melhor", tentar implantar o sonho político acalentado no passado...
Felizmente, a equipe econômica tem atuado em consonância com a luta dos outros países para recuperar o mercado. Vamos aguardar o comportamento presidencial.
Teme-se uma recaída por teses fracassadas. As crises da economia de mercado são cíclicas, mas as das socialistas são permanentes
EM SETEMBRO de 2008, presidi o 8º Congresso Internacional de Direito Tributário, em Recife, coordenado pela eminente professora Mary Elbe. Na palestra inaugural, analisando a crise mundial que explodira naquele mês (em 1/ 9/08 o dólar estava a R$ 1,61), comentei estar o presidente Lula equivocado ao assegurar que o Brasil estaria blindado contra seus efeitos e que a crise era apenas dos países desenvolvidos.
Lamentei, mas tive que afirmar aos participantes, entre os quais professores portugueses, espanhóis e latino-americanos, que a crise atingiria o Brasil, duramente. Disse-lhes, também, não em conferência, mas nos encontros paralelos, temer que, no momento da chegada da crise em nosso país, o governo sofresse uma recaída socialista.
As recentes declarações do presidente Lula em Belém, contrastando com as de Putin, em Davos, parecem demonstrar que algumas autoridades federais estão revisitando as teses esquerdistas por elas preconizadas no Foro de São Paulo, muitos anos atrás.
O período eleitoral que se aproxima leva o governo a uma encruzilhada. Enquanto havia um boom econômico mundial, como de 2003 a 2008, graças à expansão desmedida do mercado consumidor, o Brasil aproveitou a maré alta e navegou em águas tranquilas, com o governo atribuindo a si os méritos do crescimento.
A atitude natural seria, agora, compreender que, em período de maré baixa, dever-se-ia começar, como os demais governos, a buscar soluções, como preconizam as autoridades econômicas, destinadas a recuperar o mercado, que, no Brasil, teve o agravamento de um inchaço desmesurado da máquina estatal.
No entanto, o caminho adotado parece ser aquele de atribuir aos outros culpas que são do governo e transformar a crise em trampolim para um discurso semelhante ao de seus amigos e vizinhos (Chávez, Morales e Correa), que aprovaram, recentemente, Constituições em que existe um só Poder (Executivo), pois os outros dois (Judiciário e Legislativo) são Poderes acólitos e homologatórios dos atos presidenciais.
Se o presidente Lula persistir no discurso do Fórum Social Mundial, de Belém, correrá o risco de dificultar a recuperação da economia -o que, na melhor das hipóteses, apenas será possível no ano de 2010-, além de afastar investimentos e parceiros importantes do setor privado, que ficariam em atitude reticente, aguardando sinalizações menos preocupantes.
É de lembrar que a própria posição assumida no caso Battisti, criando um desnecessário litígio com a Itália, desqualificando as Justiças italiana e europeia, sobre albergar condenado por quatro assassinatos, demonstrou insensibilidade -e o presidente, curiosamente, tem tido sensibilidade em muitas atitudes políticas-, pois, de certa forma, sinaliza que o Brasil pode receber terroristas, desde que tenham sido militantes da esquerda.
Não percebe o presidente que o terrorismo não se justifica nunca, mas é particularmente injustificável quando praticado em autênticas democracias, como é a Itália. Quando Lula foi eleito, muitos temiam que seu governo se pautaria pelas ideias do Foro de São Paulo, do qual participou e que propunha soluções políticas radicais, inclusive para a tomada do poder. A moderação política que assumiu enquanto o país esteve voando ao sabor do céu azul do crescimento mundial afastou os temores de um governo radical, nada obstante a sua simpatia pelo ditador Fidel Castro, que, ao assumir o poder em Cuba, se notabilizou pelos fuzilamentos em paredões de pessoas às quais não foi dado o direito de defesa.
Chegada a tormenta, todavia, teme-se que haja uma recaída presidencial pelas teses fracassadas até hoje no mundo inteiro, pois as crises da economia de mercado são cíclicas, e as crises das economias socialistas, permanentes. Tanto é verdade que a China só ganhou o status atual depois que deixou a economia socialista e aderiu à economia de mercado.
Os próximos meses mostrarão que alternativa seguirá o presidente. A de buscar equacionar os problemas, como os outros países estão fazendo, corrigindo erros apontados pela crise; ou atribuí-los a terceiros, procurando bodes expiatórios fora do governo, o que atrasará a recuperação do país, embora possa obter dividendos eleitorais e, apostando no "quanto pior, melhor", tentar implantar o sonho político acalentado no passado...
Felizmente, a equipe econômica tem atuado em consonância com a luta dos outros países para recuperar o mercado. Vamos aguardar o comportamento presidencial.
quarta-feira, fevereiro 04, 2009
Por trás da concessão do refúgio político
por Jarbas Passarinho
Cesari Battisti é um exemplo de criminoso comum, cooptado pelo terrorismo que grassava em parte do mundo, nos anos 1970. Na Itália, as extremistas Brigadas Vermelhas sequestraram, torturaram e assassinaram o pacifista presidente da Democracia Cristã, Aldo Moro, homem incapaz de odiar. O “crime” dele consistia em estar tentando coalizão com o Partido Comunista Italiano, negociação conhecida como o “compromisso histórico” em favor da consolidação da democracia em risco. Queridíssimo por sua brandura, fizeram-no humilhar-se ao escrever cartas, sem sucesso, para o governo italiano, pedindo negociação com os sequestradores, para salvar a sua vida. Assassinaram-no.
Uma pequena organização terrorista, sob nome pomposo de Proletários Armados pelo Comunismo, ligada às Brigadas Vermelhas, tinha entre seus líderes Cesare Battisti. Na Alemanha, atuava a Baad Meinhof, na França, a Ação Direta e, no Japão, o Exército Vermelho, todos vencidos pelos meios do Estado de Direito Democrático. Condenado Battisti à prisão perpétua, como autor, ou mandante, de quatro homicídios, fugiu para a França e anos depois para o Brasil. Preso pela Interpol, o presidente Prodi, de esquerda democrática, pediu a extradição dele em 2007, a ser decidida nestes dias, pelo Supremo Tribunal Federal, foro próprio para julgar pedidos de extradições.
Battisti, assistido por advogados de esquerda, pediu refúgio político. O ministro da Justiça concedeu-o, apesar de o Comitê Nacional para Refugiados Políticos (Conare), órgão que lhe é subordinado, haver dado parecer contrário, como também o fez, ouvido previamente, o digno procurador-geral da República. A manobra da concessão do asilo fora clara. Tornaria extemporâneo o processo no Supremo. O impacto, na Itália, gerou protestos nem sempre diplomáticos. A carta do presidente italiano para o presidente Lula, em termos diplomáticos, foi, entretanto, tornada pública na mídia italiana, antes de o destinatário recebê-la. Fortemente irritado, Lula apareceu na TV, exigindo respeito à soberania nacional e, peremptório, fez ver que “a Itália teria de a respeitar”.
O jurista Miguel Real (o pai) já nos deixou a conceituação de soberania absoluta: “O Estado soberano pode determinar seu próprio destino, interna e externamente, mas essa liberdade é pautada nos compromissos internacionalmente assumidos”. Abrandada a agudeza, Lula acaba de “afirmar que ao Supremo caberá a decisão final sobre Battisti”. O Supremo pediu inicialmente o parecer do procurador-geral, que agora propõe o arquivamento do processo de extradição, já que possivelmente perde a razão de ser, pois lhe foi concedido o status de refugiado político.
O ministro da Justiça se antecipa ao julgamento pelo Supremo. Se rejeitar a concessão de refúgio “será uma anomalia”, porque “não pode o STF entrar no mérito da concessão, mas apenas discutir a constitucionalidade”. À antecipação do julgamento lhe dá o Estadão o título de “profeta judicial”. Vai além da profecia, porém. Critica a omissão da legislação penal italiana: “A frustração italiana é causada porque, ao contrário do que houve no Brasil, a Itália não contou, até agora, com uma lei de anistia”.
O estranho, para outros, é precisamente o fato de que o ministro da Justiça não vê com bons olhos a interpretação da Lei de Anistia brasileira quanto aos “crimes conexos”. Acha que a lei não pode anistiar crimes de tortura, que seriam delitos comuns, imprescritíveis, mas silencia sobre o terrorismo. O “profeta” mereceu do presidente do Supremo a advertência: “O terrorismo também é imprescritível, é bom saber”. Bobbio, em O tempo da memória, cita de Salvemin: “A arte do profeta é perigosa e é melhor ficar longe dela”.
O Correio Braziliense, de 20 de janeiro passado, abriga artigo do presidente da OAB do Rio de Janeiro em que diz: “O julgamento italiano de Battisti foi feito ‘em desacordo com as regras do Estado Democrático de Direito. A primeira é ter sido condenado à revelia’. Juristas discordam: “A garantia da defesa cabe aos advogados do réu revel. Ademais, a condenação, por unanimidade, foi referendada pela Corte Europeia de Direitos Humanos.
As questões jurídicas, é claro, suscitam controvérsias. Os que defendem o inocente Battisti, dizem-no perseguido pela direita italiana. Já para o professor Roberto Romano, insuspeito de simpatia pela direita, “cada vez se torna mais claro que a concessão do refúgio ao criminoso italiano Cesare Battisti é por motivação partidária e ideológica. Em vez de diplomacia, houve atuação partidária em escala internacional”. E é isso que está por trás do asilo político. Confirma-o o próprio ministro. Ampara-se no artigo 4º, item X da Constituição, que adota a concessão de asilo político nas nossas relações internacionais. Mas esqueceu o item VIII do mesmo artigo: “Repúdio ao terrorismo”. Princípio, aliás, amplamente repetido no Estatuto dos Refugiados, lei de 1997.
Esquerdistas há que seguem Marighella, para quem terrorismo não é crime, é arma lícita de guerra, e tortura é crime hediondo.
Cesari Battisti é um exemplo de criminoso comum, cooptado pelo terrorismo que grassava em parte do mundo, nos anos 1970. Na Itália, as extremistas Brigadas Vermelhas sequestraram, torturaram e assassinaram o pacifista presidente da Democracia Cristã, Aldo Moro, homem incapaz de odiar. O “crime” dele consistia em estar tentando coalizão com o Partido Comunista Italiano, negociação conhecida como o “compromisso histórico” em favor da consolidação da democracia em risco. Queridíssimo por sua brandura, fizeram-no humilhar-se ao escrever cartas, sem sucesso, para o governo italiano, pedindo negociação com os sequestradores, para salvar a sua vida. Assassinaram-no.
Uma pequena organização terrorista, sob nome pomposo de Proletários Armados pelo Comunismo, ligada às Brigadas Vermelhas, tinha entre seus líderes Cesare Battisti. Na Alemanha, atuava a Baad Meinhof, na França, a Ação Direta e, no Japão, o Exército Vermelho, todos vencidos pelos meios do Estado de Direito Democrático. Condenado Battisti à prisão perpétua, como autor, ou mandante, de quatro homicídios, fugiu para a França e anos depois para o Brasil. Preso pela Interpol, o presidente Prodi, de esquerda democrática, pediu a extradição dele em 2007, a ser decidida nestes dias, pelo Supremo Tribunal Federal, foro próprio para julgar pedidos de extradições.
Battisti, assistido por advogados de esquerda, pediu refúgio político. O ministro da Justiça concedeu-o, apesar de o Comitê Nacional para Refugiados Políticos (Conare), órgão que lhe é subordinado, haver dado parecer contrário, como também o fez, ouvido previamente, o digno procurador-geral da República. A manobra da concessão do asilo fora clara. Tornaria extemporâneo o processo no Supremo. O impacto, na Itália, gerou protestos nem sempre diplomáticos. A carta do presidente italiano para o presidente Lula, em termos diplomáticos, foi, entretanto, tornada pública na mídia italiana, antes de o destinatário recebê-la. Fortemente irritado, Lula apareceu na TV, exigindo respeito à soberania nacional e, peremptório, fez ver que “a Itália teria de a respeitar”.
O jurista Miguel Real (o pai) já nos deixou a conceituação de soberania absoluta: “O Estado soberano pode determinar seu próprio destino, interna e externamente, mas essa liberdade é pautada nos compromissos internacionalmente assumidos”. Abrandada a agudeza, Lula acaba de “afirmar que ao Supremo caberá a decisão final sobre Battisti”. O Supremo pediu inicialmente o parecer do procurador-geral, que agora propõe o arquivamento do processo de extradição, já que possivelmente perde a razão de ser, pois lhe foi concedido o status de refugiado político.
O ministro da Justiça se antecipa ao julgamento pelo Supremo. Se rejeitar a concessão de refúgio “será uma anomalia”, porque “não pode o STF entrar no mérito da concessão, mas apenas discutir a constitucionalidade”. À antecipação do julgamento lhe dá o Estadão o título de “profeta judicial”. Vai além da profecia, porém. Critica a omissão da legislação penal italiana: “A frustração italiana é causada porque, ao contrário do que houve no Brasil, a Itália não contou, até agora, com uma lei de anistia”.
O estranho, para outros, é precisamente o fato de que o ministro da Justiça não vê com bons olhos a interpretação da Lei de Anistia brasileira quanto aos “crimes conexos”. Acha que a lei não pode anistiar crimes de tortura, que seriam delitos comuns, imprescritíveis, mas silencia sobre o terrorismo. O “profeta” mereceu do presidente do Supremo a advertência: “O terrorismo também é imprescritível, é bom saber”. Bobbio, em O tempo da memória, cita de Salvemin: “A arte do profeta é perigosa e é melhor ficar longe dela”.
O Correio Braziliense, de 20 de janeiro passado, abriga artigo do presidente da OAB do Rio de Janeiro em que diz: “O julgamento italiano de Battisti foi feito ‘em desacordo com as regras do Estado Democrático de Direito. A primeira é ter sido condenado à revelia’. Juristas discordam: “A garantia da defesa cabe aos advogados do réu revel. Ademais, a condenação, por unanimidade, foi referendada pela Corte Europeia de Direitos Humanos.
As questões jurídicas, é claro, suscitam controvérsias. Os que defendem o inocente Battisti, dizem-no perseguido pela direita italiana. Já para o professor Roberto Romano, insuspeito de simpatia pela direita, “cada vez se torna mais claro que a concessão do refúgio ao criminoso italiano Cesare Battisti é por motivação partidária e ideológica. Em vez de diplomacia, houve atuação partidária em escala internacional”. E é isso que está por trás do asilo político. Confirma-o o próprio ministro. Ampara-se no artigo 4º, item X da Constituição, que adota a concessão de asilo político nas nossas relações internacionais. Mas esqueceu o item VIII do mesmo artigo: “Repúdio ao terrorismo”. Princípio, aliás, amplamente repetido no Estatuto dos Refugiados, lei de 1997.
Esquerdistas há que seguem Marighella, para quem terrorismo não é crime, é arma lícita de guerra, e tortura é crime hediondo.
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